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    Tese revela que entre 2015 e 2019, no Tocantins, 87% dos feminicídios ocorreram contra mulheres negras
    STRICTO SENSU

    Tese revela que entre 2015 e 2019, no Tocantins, 87% dos feminicídios ocorreram contra mulheres negras

    O trabalho “Crime de feminicídio cometido contra as mulheres negras no estado do Tocantins e o papel do Ministério Público” teve menção summa cum laude

    Por  Lidiane Machado | Revisão e Edição: Samuel Lima  | Publicado em 15/10/2025 - 18:59  | Atualizado em 21/10/2025 - 19:39
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    Quase nove a cada dez feminicídios registrados no Tocantins entre os anos de 2015 a 2019, foram cometidos contra mulheres negras. É o que revela a tese do professor substituto Luíz Francisco de Oliveira, do curso de Relações Internacionais do Câmpus de Porto Nacional. O trabalho, intitulado “Crime de feminicídio cometido contra as mulheres negras no estado do Tocantins e o papel do Ministério Público”, foi aprovado com distinção e recebeu a menção summa cum laude (do latim, "a maior das honras"), como reconhecimento pela excelência do trabalho apresentado.

    Tese que aborda o índice de feminicídios contra mulheres negras no Tocantins foi aprovada com distinção (Imagem: Acervo Senado Federal)
    Tese que aborda o índice de feminicídios contra mulheres negras no Tocantins foi aprovada com distinção (Imagem: Acervo Senado Federal)

    O estudo aborda os crimes de feminicídio praticados contra mulheres negras no estado do Tocantins, buscando compreender como gênero, raça e classe social influenciam nos índices de violência. A pesquisa também analisa a atuação do Ministério Público nesses casos. De acordo com os dados coletados entre 2015 e 2019, foram registradas 97 mortes de mulheres no Tocantins. Destas, 84 vítimas eram mulheres negras, o que representa, aproximadamente, 87% dos casos no período analisado.

    Para o professor Oliveira, que é promotor de Justiça aposentado, a compreensão do feminicídio contra mulheres negras requer uma abordagem interseccional, que leve em conta as múltiplas vulnerabilidades enfrentadas por essas mulheres. “A violência não é apenas de gênero, mas também atravessada pelo racismo estrutural, pela desigualdade socioeconômica e pela dificuldade de acesso à justiça”, pontua.

    A pesquisa destaca ainda que a baixa procura por ajuda institucional por parte de mulheres negras pode estar relacionada a barreiras impostas pelo racismo institucional e pela percepção de falta de acolhimento por parte dos órgãos de proteção. Ainda sob este recorte, Oliveira aponta que "percebe-se claramente que elas estão sendo exterminadas por um Estado omisso que, mesmo sabendo que 76% dos tocantinenses são negros, nada faz para melhorar a baixa qualidade de vida que essas mulheres enfrentam".

    Invisibilidade das mulheres negras

    De acordo com dados apresentados na tese, à época, cerca de 70% dos membros do Ministério Público brasileiro eram homens, e o efetivo feminino das polícias brasileiras estava em torno de 19% (via dados do Fórum Brasileiro da Segurança Pública, de 2016). Conforme o estudo, essa disparidade, somada à falta de cruzamento entre dados de raça e gênero nas estatísticas institucionais, contribui para a invisibilidade das mulheres negras nas ações de enfrentamento à violência.

    Oliveira frisa, em entrevista ao Portal da UFT, que há várias lacunas que contribuem para as falhas observadas na atuação do Ministério Público nos casos do recorte temporal. Ele cita a "ausência de abordagem racial específica; invisibilidade estatística; falta de interseccionalidade; racismo institucional, uma ferida que não se fecha, constantemente inflamada pelo exercício do silenciamento; não aplicação das ações afirmativas no âmbito da instituição". Ele enfatiza que, "a representatividade de mulheres negras nos quadros jurídicos no Brasil é ainda muito limitada e desproporcional à sua presença na população, embora tenha havido alguns avanços recentes. (...) A situação é mais evidente no Judiciário, onde elas são a minoria de uma minoria", afirma.

    A tese do professor Oliveira propõe uma série de medidas voltadas às mudanças das políticas públicas e da atuação institucional, como a valorização de uma educação transformadora e antirracista; aplicação da Lei Maria da Penha com foco na prevenção, considerando a lesão corporal como ponto de partida para ações de enfrentamento; criação de grupos reflexivos nos municípios para prevenção da violência; e atuação do Ministério Público sob uma perspectiva antirracista e antidiscriminatória. Sobre o papel da Universidade na luta contra a invisibilidade das mulheres negras, Oliveira afirma que "cabe à Universidade promover ações que possam contribuir efetivamente para mobilidade social da mulher negra".

    A tese foi defendida em 22 de maio de 2025, sob orientação da professora Fernanda Frizzo Bragato, doutora em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e pós-doutora em Direito pelo Birkbeck College da University of London. A banca examinadora no Programa de Pós-Graduação em Direito da Unisinos teve ainda a professora Christiane de Holanda Camilo, doutora em Sociologia pela Universidade Federal de Goiás (UFG); Guilherme de Azevedo, doutor em Direito pela Unisinos, com pós-doutorado na University of Birmingham (Reino Unido); Társis Barreto Oliveira, professor na UFT, doutor em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e pós-doutor pela Universidade de Sorbonne (França); e Márcio Soares Berclaz, doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

    De acordo com o professor Oliveira, a íntegra da tese ainda está em processo de publicação no site da Unisinos. Confira, abaixo, a íntegra da entrevista(*) concedida ao Portal da UFT:

    Portal da UFT - Como a sua pesquisa define feminicídio contra mulheres negras?
    Luiz Francisco de Oliveira - O crime de feminicídio contra mulheres negras refere-se ao assassinato de uma mulher negra em que a violência é motivada por sua condição de mulher e pela sua raça, uma dupla vulnerabilidade derivada da intersecção entre racismo estrutural e desigualdade de gênero. Mulheres negras são desproporcionalmente mais atingidas por essa forma de violência no Brasil, o que aponta para a necessidade de políticas públicas interseccionais que considerem essas especificidades.

    UFT - Quantos casos no Tocantins se encaixam nesse perfil, segundo seus dados
    LFO - No recorte temporal de 2015 a 2019, foram mortas no Tocantins 97 mulheres, sendo 84 mulheres negras e 13 mulheres não negras.

    UFT - Quais são os fatores estruturais específicos que elevam o risco de feminicídio para mulheres negras no Tocantins?
    LFO - Gênero, raça, classe e orientação sexual são fatores que determinam os privilégios em uma sociedade estruturada pelo patriarcado.

    UFT - Como tudo isso se articula no estado?
    LFO - Ao observar os números de mortes de mulheres negras, percebe-se claramente que elas estão sendo exterminadas por um Estado omisso que, mesmo sabendo que 76% dos tocantinenses são negros, nada faz para melhorar a baixa qualidade de vida que essas mulheres enfrentam. Não há políticas públicas eficazes e, em vez de serem tratadas como vítimas, as mulheres negras acabam sendo vistas como opressoras. É relevante considerar que a baixa procura por ajuda pode estar relacionada às barreiras impostas pelo racismo institucional - o que dificulta o acesso aos direitos. Como consequência, há a naturalização da violência contra a mulher negra e a não resolução dessa situação - um fator que aumenta a chance de ocorrência de feminicídio.

    UFT - Onde você identifica lacunas ou falhas na atuação do Ministério Público nesses casos?
    LFO - São várias lacunas. Podemos citar algumas: ausência de abordagem racial específica; invisibilidade estatística; falta de interseccionalidade; instituição ministerial composta majoritariamente por membros do sexo masculino. No Ministério Público brasileiro 70% de seus membros são homens. A título de comparação, o efetivo feminino das polícias brasileiras está em torno de 19% (FBSP, 2016). As coletas de dados sobre a composição dos órgãos do sistema de justiça, quando consideram a questão étnico-racial, deixam de realizar o cruzamento das informações sobre raça e gênero, invisibilizando a categoria identitária das mulheres negras nesses espaços; Racismo institucional, uma ferida que não se fecha, constantemente inflamado pelo exercício do silenciamento; Não aplicação das ações afirmativas no âmbito da Instituição.

    UFT - Quais políticas públicas ou mudanças legislativas você considera prioritárias para acabar com o feminicídio e principalmente de mulheres negras, com base no que descobriu na sua tese?
    LFO - Na pesquisa apresentamos algumas políticas públicas: Revolução educacional e o reconhecimento transformativo; Tipificação do crime de lesão corporal como termo final da violência de gênero ao termo inicial de enfrentamento, à luz do art. 7º da Lei Maria da Penha; Criação de grupos reflexivos municipais; Perspectiva antirracista e antidiscriminatória na atuação do Ministério Público frente aos crimes de feminicídio.

    UFT - Como estudioso do tema, e dado o recorte temporal do trabalho (2015-2019), houve alguma evolução em relação à presença feminina nos quadros jurídicos (ou na representatividade nesse campo)?
    LFO - A pesquisa teve como marco temporal o período de 2015-2019. Entretanto, a representatividade de mulheres negras nos quadros jurídicos no Brasil é ainda muito limitada e desproporcional à sua presença na população, embora tenha havido alguns avanços recentes. Embora as mulheres negras constituam cerca de 28% da população brasileira, sua presença em cargos de poder é ínfima. A situação é mais evidente no Judiciário, onde elas são a minoria de uma minoria. Para se ter uma ideia, o Supremo Tribunal Federal (STF) jamais teve uma mulher negra como ministra em sua história. Atualmente, não há mulheres negras atuando como ministras no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A promotora de justiça Lívia Sant'Anna Vaz foi a única mulher negra a concorrer a uma vaga aberta recentemente, mas não foi indicada. Embora o STJ tenha avançado na representatividade feminina em sua força de trabalho e em cargos de gestão, a presença de mulheres negras entre os ministros permanece inexistente. Na OAB, em 2023, apenas 6,02% das advogadas no país se declaravam negras.

    UFT - Como a Universidade pode contribuir para uma efetiva redução (ou minoração) desse problema levantado na tese?
    LFO - A Universidade pode contribuir para uma maior representatividade da mulher negra, lutando por mais inclusão, que atenda às expectativas e não silencie as histórias das mulheres negras. Deve-se lutar para a continuidade da educação pública, gratuita e de qualidade, baseada no tripé educacional de ensino, pesquisa e extensão, mas deve-se também ser crítica e entender o que de fato é uma educação de qualidade. Cabe à Universidade o papel de prosseguir na promoção de espaços de discussão e reflexão sobre as opressões de classe, de gênero e de raça que recaem sobre os ombros das mulheres negras. Deve-se valorizar e divulgar a obra de intelectuais negras, que tratam sobre a situação da mulher negra. Para além disso, cabe à universidade promover ações que possam contribuir efetivamente para mobilidade social da mulher negra.

    (*) Entrevista concedida à estagiária Lidiane Machado e ao jornalista Samuel Lima, ambos da Sucom/UFT)


    Tags:  Stricto Sensu,  Relações Internacionais,  Porto Nacional.  
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