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Decreto que reconhece o caráter formativo e educacional da Capoeira em Palmas é fruto de dissertação de mestrado
O trabalho dissertativo de Raphael Alves Vieira da Silva, do Programa de Pós-Graduação Profissional em Educação (PPPGE), do Câmpus de Palmas, sob orientação do professor Paulo Fernando de Melo Martins, inspirou a criação da Lei nº 3.290, que reconhece o caráter educacional e formativo da capoeira no âmbito do Município de Palmas. A dissertação, intitulada "Entre a pena e o berimbau: caminhos para o reconhecimento do caráter educacional e formativo da capoeira no Tocantins", serviu de base para o Projeto de Lei nº 84/2025, de autoria da vereadora Thamires do Coletivo Somos, aprovado pela Câmara Municipal. A lei, que permite parcerias para promover a prática da capoeira nas escolas de educação básica, foi sancionada pelo prefeito Eduardo Siqueira Campos em 29 de outubro último.
O agora mestre em Educação, Raphael Silva, nominado no ambiente da Capoeira como mestre "Cego", ressalta que a aprovação da lei é muito importante para a salvaguarda e expansão da capoeira. "Demonstra que o poder público começa a tratar a Capoeira com a dignidade e o reconhecimento que sempre mereceu". Ele pondera que o reconhecimento do caráter educacional e formativo da Capoeira é o primeiro passo para que sejam criadas condições favoráveis para que o esporte - que já é ensinado de forma não escolar em todas as regiões da Capital - seja mais disseminado. Ele enfatiza que o aspecto polissêmico da Capoeira "possa servir de referência para os diversos componentes escolares e proporcionar experiências no processo ensino-aprendizagem que valorizem a cultura brasileira e na formação de crianças e adolescentes ancoradas no respeito e na dignidade humana".
Segundo o mestre "Cego", a legislação - agora promulgada - dá segurança jurídica para que haja o diálogo e construção de políticas públicas de forma a inserir os profissionais de Capoeira em processos de contratação pelo poder público, permitindo que estes atuem nas escolas, reivindiquem novos espaços e valorização da Capoeira em Palmas.
Assim, espero que a lei que dispõe sobre o reconhecimento do caráter educacional e formativo da capoeira no âmbito do Município de Palmas possa mudar essa cosmovisão social e que a Capoeira consiga adentrar na escola, que os gestores educacionais entendam que a Capoeira é elemento vital com enorme potencial para desempenhar junto com a escola uma educação antirracista. Também espero que os espaços não formais sejam mais vistos e valorizados, que os capoeristas consigam realizar seus eventos com menos dificuldade e que tenham condições de realizar intercâmbios, pois estamos em constante estudo e aperfeiçoamento; e assim atender cada vez mais crianças, jovens e adultos em todos os espaços, auxiliando na construção da nossa sociedade.
(Raphael Vieira - Mestre Cego)
Sobre o ganho educacional e formativo proporcionado pela sanção da nova lei, Silva frisa que além de permitir a inclusão da Capoeira nas escolas da capital, há o fortalecimento do caráter educacional e formativo dos professores e mestres de Capoeira, que já atuam em diversos projetos sociais, "atingindo direta e indiretamente milhares de pessoas na capital, atuando como legítimos Educadores Sociais, promovendo e oportunizando educação, cultura, saúde, esporte, música para as crianças, jovens e adultos da nossa cidade", afirma.
Para o professor-orientador de Silva no mestrado, Paulo Fernando Martins, um dos objetivos do Programa de Pós-Graduação Profissional em Educação (PPPGE) é entregar resultados de pesquisas que possam melhorar a qualidade de vida e trabalho da população. "Nesse caso, ao desenvolvermos estudos sobre a aplicabilidade da lei federal 10.639/2003 no Tocantins, os estudos sobre a dimensão educacional da Capoeira vai ao encontro das diretrizes curriculares nacionais para educação das relações étnico-raciais. Assim, as pesquisas de mestre "Cego" no Núcleo Interdiciplinar de Educação em Direitos Humanos da UFT representam uma valiosa contribuição para a educação e cultura no Tocantins", enfatiza o docente.
Do estudo à ação concreta
Para o Coletivo Somos, que deu corpo de lei à dissertação, a sanção que reconhece o caráter educacional e formativo da capoeira em Palmas representa um marco na valorização da cultura afro-brasileira e das raízes ancestrais da cidade. Para o Coletivo, a capoeira, mais do que uma expressão cultural, é uma ferramenta de educação, disciplina e consciência social, fortalecendo o respeito e promovendo a transformação pela cultura dentro e fora das escolas.
A vereadora Thamires Lima, porta-voz do Coletivo Somos, destacou que o projeto tem origem em uma dissertação de mestrado da UFT, reforçando o compromisso do mandato coletivo em transformar o conhecimento acadêmico em ações concretas. “Nós, que somos oriundos da universidade pública, no caso a UFT, acreditamos profundamente na educação, na pesquisa e na ciência. Essa lei é resultado disso. De transformar o que é estudado e pesquisado dentro da universidade em políticas públicas concretas que impactam a vida da nossa sociedade”, explicou.
Para a parlamentar, a aprovação da lei também carrega forte significado político e simbólico, por ser a primeira legislação municipal a reconhecer oficialmente a Capoeira como instrumento educacional, cultural e social. “Ganhamos mais um espaço na disputa de ideias, na valorização da cultura popular e negra, e na construção de uma cidade que reconhece a importância da diversidade. Essa conquista é coletiva. É da universidade pública, do povo da capoeira, dos mestres e das mestras que fazem da roda um espaço de resistência e aprendizado”, concluiu Thamires.
Dissertação e entrevista
Acesse (nos links abaixo) a íntegra do trabalho dissertativo que gerou a Lei recém-sancionada e para o Diário Oficial do Muni´cípio de Palmas, com a sanção do Decreto Legislativo.
Confira a íntegra da entrevista concedida ao Portal da UFT por Raphael Alves Vieira da Silva:
Portal da UFT - Qual o impacto da sanção dessa lei para a capoeira aqui em Palmas?
Raphael Alves Vieira da Silva - Toda legislação que salvaguarde a Capoeira, bem como possibilite sua expansão é de fundamental importância para a manutenção dos saberes populares. Uma lei sancionada demonstra que o poder público começa a tratar a Capoeira com a dignidade e o reconhecimento que sempre mereceu.
O reconhecimento do caráter educacional e formativo da capoeira é o primeiro passo para criar condições favoráveis para que a capoeira, que já é ensinada de forma não escolar em todas as regiões de Palmas-TO, possa se expandir pelos estabelecimentos de ensino, fortalecendo as escolas com os conteúdos populares, e através de sua característica polissêmica possa servir de referência para os diversos componentes escolares e proporcionar experiências no processo ensino-aprendizagem que valorizem a cultura brasileira e na formação de crianças e adolescentes ancoradas no respeito e na dignidade humana.
Assim, reconhecer o caráter educacional e formativo da Capoeira significa reconhecer suas inúmeras potencialidades pedagógicas. Com isso, podemos ampliar o debate com os gestores educacionais, fazendo-os entender que a Capoeira é uma ferramenta importantíssima para o alargamento da aplicabilidade da Lei Federal nº 10.639/03. Dessa forma, Palmas-TO pode se tornar vanguarda nacional para incluir a Capoeira na escola a partir de políticas públicas locais.
Portal da UFT - Que oportunidades se abrem para os mestres da Capoeira com a sanção da lei?
Raphael Alves Vieira da Silva - O artigo 2º da lei diz que “Poderá ser celebrado parcerias com instituições, associações, mestres e grupos de capoeira devidamente reconhecidos para promover o ensino e a prática da capoeira nas escolas de educação básica”. Nesse sentido, a legislação promulgada nos dá a segurança jurídica de dialogar e construir essas políticas públicas para que os profissionais de Capoeira possam ser contratados pelo poder público para atuarem nas escolas do município, bem como reivindicar novos espaços e valorizar as pessoas e os espaços existentes que perpetuam a Capoeira na nossa capital.
Embora existam leis federais como o Estatuto da Igualdade Racial que reconhece a Capoeira como desporto de criação nacional e destaca que o poder público garantirá o registro e a proteção da capoeira; o reconhecimento da Capoeira como Patrimônio Cultural do Brasil; e a Roda de Capoeira reconhecida como Patrimônio Imaterial da Humanidade pela Unesco, entendemos que ainda há muito preconceito e resistência com a Capoeira, aliás com todas as manifestações que advém da cultura afro-brasileira.
Dessa forma, é notório que todos estes instrumentos legais são muito importantes para ratificar o ensino da capoeira na escola como ferramenta que contemplem as diretrizes e bases da educação nacional obrigatórias através das leis 10.639/03 e 11.645/08.
Assim, espero que a lei que dispõe sobre o reconhecimento do caráter educacional e formativo da capoeira, no âmbito do Município de Palmas, possa mudar essa cosmovisão social e que a Capoeira consiga adentrar na escola, que os gestores educacionais entendam que a Capoeira é elemento vital com enorme potencial para desempenhar junto com a escola uma educação antirracista. Também espero que os espaços não formais sejam mais vistos e valorizados, que os capoeristas consigam realizar seus eventos com menos dificuldade e que tenham condições de realizar intercâmbios, pois estamos em constante estudo e aperfeiçoamento; e assim atender cada vez mais crianças, jovens e adultos em todos os espaços, auxiliando na construção da nossa sociedade.
Portal da UFT - Qual o ganho educacional/formativo que se obtém a partir de agora?
Raphael Alves Vieira da Silva - A Capoeira é polissêmica, é arte, cultura, esporte, jogo, luta, brinquedo, musicalidade, história... O reconhecimento do caráter educacional e formativo da Capoeira é um testemunho da sua importância na construção social da cultura afro-brasileira e na perpetuação de suas tradições e memórias, bem como evidencia as potencialidades didático e pedagógicas da capoeira com intuito de complementar o planejamento da escola, participando da dinâmica escolar e pertencendo a um projeto pedagógico que utilize a capoeira como um conteúdo das disciplinas escolares e interagindo com as demais disciplinas em temas correlatos.
Além de favorecer a inclusão da Capoeira nas escolas de Palmas-TO, a legislação fortalece o caráter educacional e formativo dos diversos professores e mestres de Capoeira que atuam na cidade em variados projetos sociais, atingindo direta e indiretamente milhares de pessoas na capital, atuando como legítimos educadores sociais, promovendo e oportunizando educação, cultura, saúde, esporte, música para as crianças, jovens e adultos da nossa cidade.