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Arraias: um ‘pequeno’ câmpus, grandes acolhimentos
Localizada no Sudeste do Estado, Arraias é conhecida por seu charme e hospitalidade. Com suas ruas de pedra e construções históricas é lá onde está localizado um dos menores câmpus da Universidade Federal do Tocantins (UFT). O lugar se destaca pelo acolhimento e proximidade entre estudantes, professores e servidores e é nesse ambiente intimista e acolhedor que surgem histórias inspiradoras, como as das professoras Ana Carmen Santana e Gisele Detomazi Almeida.
Acolhimento
As duas hoje são muito amigas e partilham de muitos momentos também fora da universidade. Mas, antes de chegarmos neste ponto, vamos juntos saber como elas chegaram em Arraias. Gisele Detomazi, natural de Jandaia do Sul, no Paraná, mudou-se para o Tocantins em 2001, após sua mãe e irmã se estabelecerem em Dianópolis. Após se formar em Matemática e passar em um concurso estadual, ela decidiu buscar novos desafios e ingressou no mestrado em Goiânia, finalizado em 2007. No mesmo ano, Gisele se deparou com um concurso da UFT, que oferecia vagas para sua área em Arraias, próximo de onde sua família residia. Mesmo sem se preparar especificamente, ela se sentiu compelida a tentar a oportunidade, sendo aprovada. "Tudo parecia muito organizado para que minha vida fosse aqui", relembra Gisele.
Ana Carmen chegou cerca de dois anos depois, após literalmente procurar por editais de “A a Z” e encontrar no último estado, o Tocantins, a vaga perfeita para ela. Ana veio de Fortaleza, no Ceará, mas sempre teve uma forte ligação com o interior, o que a preparou para a mudança para Arraias. Acostumada a trabalhar em projetos de pesquisa em comunidades rurais, ela enxergou a transição como viável, embora não esperasse que fosse para uma cidade tão distante e pequena e, ao contrário de Gisele, não tinha familiares por perto. "Quando cheguei aqui, vi que realmente era uma cidade muito pequena, com dificuldade de acesso a muitos serviços", explica Ana Carmen, embora tenha ressaltado que a cidade possuía uma estrutura básica satisfatória, com hospital, banco e outras redes de serviços públicos.
O que as duas encontraram em comum? Acolhimento. Gisele conta que logo após sua chegada foi acolhida por colegas e rapidamente se sentiu em casa. A professora Valéria, por exemplo, a hospedou em sua própria casa até que Gisele encontrasse um lugar para morar. Foi o professor Gilmar, então coordenador do curso de Matemática, que facilitou essa conexão entre Gisele e Valéria, assegurando que tudo estivesse preparado para sua chegada. A primeira reunião de colegiado que ela participou foi no dia do seu aniversário – 14 de maio. No início ficou quieta e não comentou, mas logo no final do dia já havia dividido a informação e saíram da reunião para comemorar. Aquela comemoração rendeu amizades como a com o professor Kaled que perdura até hoje.
Gisele ressaltou a importância das amizades que formou, mencionando nomes como Adriano, Robson, Suzy, Raquel, Ivo e Alcione, que se tornou uma de suas melhores amigas até hoje. No entanto, Gisele também lembra dos desafios iniciais, como problemas com a telefonia e a internet, que dificultavam o contato com a família e amigos. “Às vezes, ficávamos um ou dois dias sem comunicação com ninguém”, lembrou Gisele, que chegou a viajar para cidades vizinhas, como Campos Belos (GO), para conseguir se comunicar.
Ana Carmen chegou para integrar o colegiado de Pedagogia. Ela, igualmente, conta que a adaptação ao novo ambiente foi facilitada por colegas, especialmente aqueles que também eram do Nordeste na época. "Fazia almoços, conversava sobre música, filmes, comida, e isso ajudava bastante", relembra ela, destacando a importância de momentos de lazer e integração, como passeios e as serestas locais.
Gisele tem um perfil mais extrovertido, Ana Carmen é mais fechada e tímida até conhecer as pessoas, mas ambas destacam a importância deste acolhimento que tiveram. Ana conta que o trabalho foi desafiador desde o início, com uma carga intensa de disciplinas a serem ministradas e a necessidade de estruturar tudo praticamente do zero. "Na época, não foi nem estágio probatório, foi estágio purgatório", comenta sorrindo, referindo-se ao cansaço e à pressão enfrentados. Mesmo com o passar dos anos, Ana Carmen observa que a adaptação é um processo contínuo, ponderando que a adaptação é um esforço diário e que pode nunca ser completamente alcançada.
Gisele menciona que esses vínculos também eram mais fáceis na época em que ela chegou, além do interior trazer proximidade e o não anonimato, afinal todos se encontram dentro e fora da universidade, o Câmpus de Arraias era pequeno e funcionava em um prédio antigo. Apesar das limitações, a proximidade entre os professores e a rotina diária favoreceu a criação de fortes laços de amizade. As salas dos professores, atendimento aos alunos, tudo era feito presencial e no mesmo ambiente.
E para quem pensa que este acolhimento é só entre os professores, está enganado. Outro ponte forte destacado pelas duas são as ações contínuas, com esforço e dedicação realizadas pela servidora do Setor de Recursos Humanos Edilene, por exemplo. Ela sempre se empenhava a organizar encontros, almoços com todos os detalhes necessários para que todos se encontrassem também fora da instituição para momentos de descontração.
Amizade
Toda amizade começa com um primeiro contato e Gisele relembra que sua relação com Ana Carmen começou de forma amistosa, mas não tão próxima. Ana Carmen lembra que conheceu Gisele em um dos almoços e encontros promovidos pelos colegas do câmpus, pouco depois de sua chegada. Embora compartilhassem bons momentos, como a participação no chá de bebê da filha de Ana, a amizade ainda não era tão forte. Embora não tivessem muita proximidade na época, esses momentos de convivência foram importantes para estabelecer um primeiro contato.
A relação entre as duas se fortaleceu quando ambas se afastaram do câmpus para cursar o doutorado, um período em que enfrentaram desafios semelhantes, como a chegada de suas filhas e o distanciamento de suas famílias. Gisele teve sua filha, Beatriz, em 2015, enquanto Maria Clara, filha de Ana, tinha apenas dois anos. As duas enfrentaram desafios como a separação dos respectivos maridos e a necessidade de conciliar a maternidade com os estudos avançados do doutorado.
Esse período foi marcado pela compreensão mútua e pelo apoio constante, especialmente durante a pandemia, quando elas estavam mais isoladas. "A amizade das nossas filhas também foi fortalecida nesse momento", relembra Gisele, destacando que começaram a frequentar a casa uma da outra, almoçando juntas e dividindo as angústias e alegrias. “Foi nesse período da pandemia que muita gente foi para perto das suas famílias, e a gente longe das nossas famílias... nós nos fortalecemos muito na amizade”, reflete Ana.
Após a pandemia as duas começaram a sair mais e aproveitar momentos juntas. Elas viajaram, foram a shows e dividiram amigos, estreitando ainda mais os laços. Gisele destaca que Ana foi a primeira pessoa a saber de sua segunda gravidez, refletindo a proximidade e confiança entre elas. "Tem sido um apoio muito positivo", afirma Gisele, que também valoriza a parceria no trabalho, onde colaboram em projetos e compartilham ideias, contribuindo de forma significativa uma para o crescimento da outra.
Ana relembra emocionada como ambas, sendo mulheres trabalhadoras e mães, se reinventaram e redescobriram a alegria de viver. "A Gisele é uma pessoa que sempre foi muito admirada por mim", comenta, destacando a inteligência e a educação de Gisele. A amizade se expandiu para além do trabalho e da maternidade e todos esses momentos foram importantes para Ana, que confessa que Gisele a ajudou a recuperar o gosto por viver além das responsabilidades cotidianas.
Ana expressa uma profunda gratidão por Gisele, reconhecendo-a como uma das principais redes de apoio que encontrou em Arraias. Ela destaca que, como mulheres trabalhadoras e mães, elas enfrentam dificuldades em construir ambientes de apoio, e que Gisele tem sido fundamental para seu retorno às atividades normais e para sua busca por felicidade. "Gisele é minha rede", afirma Ana, emocionada ao refletir sobre o impacto positivo da amizade em sua vida. Apesar de reconhecer que não é fácil para mulheres nessa posição, ela valoriza os esforços pessoais e a força do vínculo que desenvolveu com Gisele, mesmo em meio às dificuldades e distâncias que a vida pode impor.
Grupo de apoio
No Câmpus de Arraias, o acolhimento é mais do que uma palavra; é uma prática diária que define as relações entre colegas e servidores. Por ser um dos menores câmpus, o ambiente acaba se tornando uma grande família, onde todos se conhecem, as notícias correm rapidamente e não há espaço para o anonimato em todos os seus aspectos – positivos e negativos. A convivência, apesar das diferenças, é pautada pelo respeito e pelo bom senso, e há um esforço coletivo para criar um clima em que todos possam viver e trabalhar de maneira harmoniosa.
As conexões que se formam desde o início são duradouras, baseadas na sinceridade e no apoio mútuo. As duas contam que mesmo que as relações não sejam sempre próximas, de amizade profunda, mas há um companheirismo, por saber que podemos contar uns com os outros. Exemplos disso não faltam. Ana Carmen, ao se deparar com uma cobra em sua casa, não hesitou em ligar para os colegas Tony e Valdirene, que prontamente a socorreram, munidos de uma grande vara para afastar o animal.
Em outra situação, o professor Kaled mobilizou todos os colegas disponíveis para ajudar a apagar um incêndio em sua propriedade rural, mostrando que, em Arraias, a solidariedade é uma constante. Além disso, o empréstimo de eletrodomésticos e outros pequenos socorros são gestos que acontecem naturalmente, reforçando o senso de comunidade que caracteriza o câmpus, a geladeira de Gisele que o diga, já passou por pelo menos três casas diferentes.
Desafios
É claro que nem tudo são flores, há problemas, há diferenças, há mais e menos afinidades. Mas também existe a importância de saber lidar com tudo isso e agir com empatia e respeito. O câmpus tem crescido, novos cursos surgiram e este contato próximo e cultura de acolhimento tem se perdido. Os momentos de integração têm estado cada vez mais esvaziados, ainda que o número de técnicos e professores tenha aumentado. E isso é um desafio comenta Ana.
Ana Carmen conta que muitos colegas dos novos cursos ela não conhece e não por falta de interesse. A superação dessas barreiras exige um esforço coletivo, onde o respeito, a empatia e o desejo de construir um espaço de convivência saudável sejam sempre a prioridade. "Com o crescimento, percebemos que precisamos ampliar nossas ações de acolhimento", diz Ana Carmen. "Não é mais suficiente apenas apoiar individualmente, precisamos pensar em estratégias que envolvam toda a comunidade, com o olhar para os estudantes também”, instiga ela.
Por fim, Ana Carmen destacou a importância fundamental do respeito no ambiente de trabalho, enfatizando que é essencial valorizar as palavras que usamos ao interagir com colegas e reconhecer o esforço necessário para respeitar as diferenças. Para ela, é crucial lembrar que todos enfrentam desafios e, em alguns casos, colegas podem estar passando por momentos difíceis que exigem tratamentos ou medicamentos. "Então não é só o respeito ao outro, eu vejo como algo muito importante também o respeito a si, aos seus limites", afirmou. Embora o trabalho possa trazer satisfação, para ela é vital reconhecer que a vida vai além disso. Ela acredita que o respeito deve ser tanto pelo próximo quanto por si mesmo, o que é essencial para manter relações interpessoais saudáveis. (Com colaboração de Raquel Nascimento | Arraias)